A Travessia da Sombra
Toda luz verdadeira atravessa a sombra. E quando a lembrança se expande demais, ela toca territórios esquecidos — inclusive aqueles que ainda resistem. Está na hora de Clara e Miguel enfrentarem não só revelações… mas também uma prova da alma.
--- Era para ser apenas mais um círculo, dessa vez em um campo isolado no norte da Argentina. Os ventos estavam calmos, o céu limpo, e dez pessoas já haviam se sentado em roda, cada uma com sua pedra, seu silêncio, seu mistério.
Clara sentia o ar denso — como se algo os observasse do limiar invisível. Não era ameaça… era chamado não respondido.
— Alguma coisa está para emergir — ela murmurou, os olhos fechados.
Miguel colocou a mão sobre o chão. Ele também sentia.
Na hora em que o círculo foi aberto com o símbolo da espiral, algo diferente aconteceu.
Um dos presentes — um homem jovem, silencioso até então — levantou com os olhos arregalados. Começou a respirar com dificuldade. Caiu de joelhos.
Clara correu até ele.
— O que você está vendo?
Ele respondeu com a voz quebrada:
— Eu… eu fui aquele que destruiu o templo. Eu que traí vocês. Eu que entreguei tudo à escuridão.
Todos ficaram em silêncio. Mas o mais profundo não foi o que ele disse — foi o que Clara lembrou.
Ela o viu. Em uma vida antiga. Um homem que havia sido irmão espiritual… e que, tomado pelo medo, entregou o local sagrado aos invasores. Foi sua traição que causou a queda do primeiro círculo, milênios atrás.
— Eu te reconheço — ela sussurrou, com os olhos marejados. — E eu te perdoo.
Miguel se aproximou, ajoelhando-se ao lado dos dois.
— Tudo que cai… renasce com mais força, quando se escolhe a verdade.
Então algo inesperado aconteceu. O homem, chorando, colocou a mão sobre o chão e começou a entoar uma melodia antiga — a mesma cantada por Clara em outra vida, quando curava com luz. Era impossível que ele conhecesse aquela canção. Mas ali estava.
Todos no círculo sentiram. A dor que havia atravessado séculos estava sendo curada ali, naquele exato momento. Um ciclo de sombra que se repetia finalmente estava sendo quebrado.
A fogueira aumentou de intensidade subitamente, mesmo sem lenha nova. E no céu, uma estrela cadente riscou o horizonte.
Clara olhou para Miguel.
— A lembrança mais profunda não é de quem fomos… mas de tudo o que deixamos inacabado.
Ele segurou sua mão, firme.
— E agora, estamos finalizando. Para poder recomeçar.
Naquela noite, o grupo inteiro dormiu ao redor do fogo. E todos sonharam com o mesmo lugar: uma cidade de luz suspensa entre mundos, com pontes feitas de consciência. Clara e Miguel estavam no centro, e o símbolo da espiral se transformava em um sol pulsante.
No amanhecer, Clara escreveu uma nova frase no Livro Vivo:
“Toda sombra é apenas memória não iluminada.”
---Continua---
"A fogueira aumentou de intensidade subitamente, mesmo sem lenha nova. E no céu, uma estrela cadente riscou o horizonte". Que linda e poética maneira de exprimir... Você consegue fazê-lo de modo sintético e profundo!
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