segunda-feira, 21 de abril de 2025

Capítulo 22

 


A Travessia da Sombra

Toda luz verdadeira atravessa a sombra. E quando a lembrança se expande demais, ela toca territórios esquecidos — inclusive aqueles que ainda resistem. Está na hora de Clara e Miguel enfrentarem não só revelações… mas também uma prova da alma.

--- Era para ser apenas mais um círculo, dessa vez em um campo isolado no norte da Argentina. Os ventos estavam calmos, o céu limpo, e dez pessoas já haviam se sentado em roda, cada uma com sua pedra, seu silêncio, seu mistério.

Clara sentia o ar denso — como se algo os observasse do limiar invisível. Não era ameaça… era chamado não respondido.

— Alguma coisa está para emergir — ela murmurou, os olhos fechados.

Miguel colocou a mão sobre o chão. Ele também sentia.

Na hora em que o círculo foi aberto com o símbolo da espiral, algo diferente aconteceu.

Um dos presentes — um homem jovem, silencioso até então — levantou com os olhos arregalados. Começou a respirar com dificuldade. Caiu de joelhos.

Clara correu até ele.

— O que você está vendo?

Ele respondeu com a voz quebrada:

— Eu… eu fui aquele que destruiu o templo. Eu que traí vocês. Eu que entreguei tudo à escuridão.

Todos ficaram em silêncio. Mas o mais profundo não foi o que ele disse — foi o que Clara lembrou.

Ela o viu. Em uma vida antiga. Um homem que havia sido irmão espiritual… e que, tomado pelo medo, entregou o local sagrado aos invasores. Foi sua traição que causou a queda do primeiro círculo, milênios atrás.

— Eu te reconheço — ela sussurrou, com os olhos marejados. — E eu te perdoo.

Miguel se aproximou, ajoelhando-se ao lado dos dois.

— Tudo que cai… renasce com mais força, quando se escolhe a verdade.

Então algo inesperado aconteceu. O homem, chorando, colocou a mão sobre o chão e começou a entoar uma melodia antiga — a mesma cantada por Clara em outra vida, quando curava com luz. Era impossível que ele conhecesse aquela canção. Mas ali estava.

Todos no círculo sentiram. A dor que havia atravessado séculos estava sendo curada ali, naquele exato momento. Um ciclo de sombra que se repetia finalmente estava sendo quebrado.

A fogueira aumentou de intensidade subitamente, mesmo sem lenha nova. E no céu, uma estrela cadente riscou o horizonte.

Clara olhou para Miguel.

— A lembrança mais profunda não é de quem fomos… mas de tudo o que deixamos inacabado.

Ele segurou sua mão, firme.

— E agora, estamos finalizando. Para poder recomeçar.

Naquela noite, o grupo inteiro dormiu ao redor do fogo. E todos sonharam com o mesmo lugar: uma cidade de luz suspensa entre mundos, com pontes feitas de consciência. Clara e Miguel estavam no centro, e o símbolo da espiral se transformava em um sol pulsante.

No amanhecer, Clara escreveu uma nova frase no Livro Vivo:

“Toda sombra é apenas memória não iluminada.”


---Continua--- 

Um comentário:

  1. "A fogueira aumentou de intensidade subitamente, mesmo sem lenha nova. E no céu, uma estrela cadente riscou o horizonte". Que linda e poética maneira de exprimir... Você consegue fazê-lo de modo sintético e profundo!

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